quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Baile de Máscaras

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O Egoísmo, em trajes de gala,
vestiu, com galhardia,
o Sentimento.
Desde então, deste não mais se desfez:
é convidado de honra nos bailes da alta roda.

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Dia Febril

As órbitas inquietas
Acompanham as horas crepusculares
Do dia inacabado em mim,
Inconcebivelmente inacabado em mim.

Há espasmos e sussurros
Provindos da viela que desemboca
No leito insone do espírito.
Há orgasmos, bombas e gases
Fundindo-se no universo ático
Da carne sórdida e fútil.

Perfilados e persignados,
São vagos os instintos
A se manifestar na tarde cinza
De meu dia febril.

Padece a massa disforme,
O desejo sem rosto, cor ou casca,
O presente e derradeiro instante,
Fugazmente recolhido pela inércia dos gestos,
Enquanto me consome o dia,
Infindo dia, absurdo.

Sim,o candeeiro aceso do amanhã
Ou ao menos as luzes da noite vindoura.
Já não me sustentam as órbitas
Nem os passos nem os braços trêmulos
Do hoje interminável,
Inconcebivelmente interminável em mim,
Indefinidamente meu.

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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Literatura Barata

Ainda que criassem estereótipos,
Compusessem discursos,
Apregoassem pechas e sistemas,
De nada adiantaria:
É cedo demais para ser todo,
O tempo é de menos no caos de tudo.
O passado ruminante impregnou-se nas paredes,
As chagas vivas corroem,
Misturam-se ao bolor dos móveis da casa de hoje
De outrora.
A palavra de comiseração,
Amiga,
Amarga,
Amarela-se no riso,
 
Aflito,
Pungente
,
Impacientado pela fila do banco,
Pela porta fechada contra o rosto.
O tapinha cúmplice nas costas,
Atenuante do crime,
Legitima o mito de que somos irmãos,
Que os fatos, os medos,
Os freios e os escrúpulos
Permeiam indiscriminadamente a existência,
Aquela que deliberou descrever-se
Pela literatura barata,
De respostas assopradas ao pé do ouvido,
Da mesa posta.
Ainda assim de nada adiantariam
Os gritos na amurada do edifício,
O pranto nas escadarias da igreja,
A fome esganiçada no colo de alguém:
Antes houvesse tempo
No caos de tudo,
Antes não fosse cedo
Para ser-se todo.

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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Tratado

Lembra-te de teu amor
e cala:
é teu inteiro o que, em ti,
silencia.

Faze de si próprio, lenho:
Abrasado,
que o seja de todo
violado,
que o seja no ato
concebido,
no lar de teu leito
infinito,
se o mar de teu fado.

Todo, enfim,
saber-lo-á em ti,
e depreenderá a gota frívola
que se lhe escapa dos tratados
de amor perfeito,
Absoluto.

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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Passamento

Bateram na porta. Pedia-se silêncio. Justo. Velavam aos cochichos, pois sim, não se quer incomodar os mortos. Não obstante, os automóveis e a rotina faziam-se presentes com seus impertinentes ruídos ao meio-dia. O pai do falecido, abatido, desconsolado, dirigiu-se até a entrada da casa para ver quem se tratava. Um familiar distante, um amigo do peito, aos prantos, uma ex-namorada, paixão pueril, um conhecido, incrédulo e estupefato ante aos caprichos da morte, são várias as possibilidades a se cogitar, não estivessem os espíritos ocupados em manterem-se circunspectos e inflexíveis, tal exigia a ocasião. Digamos que não havia muitos no local, mas, em todo caso, o passamento do jovem não se deu em brancas nem tampouco carregadas nuvens. É certo que não se encontravam totalmente alheios ao acontecido. Falamos das batidas na porta, explicite-se. Da morte, se dela o disséssemos, também não, embora, em alguns, a consternação demonstrada fosse mero teatro social. Mas voltemos ao que interessa e não nos percamos mais, que já nos distanciamos do que nos trouxe até aqui. Chegado à porta, o pai, enegrecido, encarquilhado e envelhecido muitos anos com a perda do primogênito, abriu-a lentamente. Deparou-se com um vendedor de enciclopédias. Diante da situação e das expectativas criadas, por nós, não pelos presentes, como, esperamos, depreende-se da narrativa, era natural que fosse enxotado a pontapés. Mas não. Era tão moço! Tão moço quanto o que, à meia-duzia de passos, jazia sobre a mesa da cozinha, engravatado e maquilado, penteado e engomado, porém inânime, qualidade destas incondizentes aos viventes de pouca idade. O pai, emocionado, pensou em convidá-lo a entrar. Talvez tivesse algo de seu filho, algum gosto parecido, uma mania, a juventude de hoje pensa, fala, age igual. Que maluquice! Chamar um desconhecido para um velório. Sob que desculpa? Devia, realmente, ter ficado louco. Despediu-se polidamente do rapaz prometendo, quem sabe outra hora, e voltou para onde estavam os outros. Já não se ouvia alma viva. Das mortas, não se pode dizer o mesmo.
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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Litania da Finada Esperança

Acabaste de perdê-la,
E agora?
Não era ela a última a morrer?
Sim, mas, de fato, não morreu.
Aliás,este consolo.
Sabes que ela voltará,
Como sabes!
Voltará sorrindo
E com este sorriso,
Persistirás:
Incorrerás novamente no erro,
Nas promessas, sabes bem,
És paciente do ambulatório central
De Almas do Desterro.
Tens boa memória,
Lembras das falácias
Que tu próprio te rogaras
Tal litania em procissão.
O que farás?
És agora homem,
Não gente, que disso estás longe,
Não tens a quem recorrer.
O que te circunda
É ínfimo perto do que dentro te revolta.
Mas não te preocupes,
Estás a caminho,
Chegarás em breve,
Amigo.
Ela te acompanha,
Fiques tranquilo.
À hora
Em que dobra a esquina
E parece que te vira as costas,
Não te espantes.
É só mais um de teus rompantes
Que a fez esconder-se.
Agora, amigo,
Descansa.
Não tarda o trem que esperas,
O das metáforas em que te imiscuis.
Isso tudo nele vai,
E volta,
É dele a matéria de que és feito,
É nos seus trilhos que te revelas.

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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Periódico

São fatos contados,
Favas às traças.
Consumados, saberemos adiante
Desinflados os egos
Apaziguados os ânimos
Surgidos os destroços
Reparados que seriam, se possíveis fossem.
Recolhidos os cascos
Reinará a limpeza:
Asseado, passado e engomado
Destreza dos homens
Séculos de experiência.
Apagado o incêndio
Varrerão as migalhas
Pra debaixo dos canos
Rede de intrinca
Perdurando anos afinco
A fim de que não se esqueça
Não se perca a cabeça!
Especialmente por reentrâncias
Revisitadas no leito de mocidade.
Passadas as vacas dadas
Sobrará a perder revista
Atualidades, gêneros alimentícios etc. etc. etc.
E festa, em festa
Estarão os pobres do socorro
Calçando, orgulhosos, alpercatas multicolores
Dançando roda com bondosos senhores
Engenho ardiloso
Destreza das mãos
Ressequidas do tempo.

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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Solitude

A solidão
Espreitou-me da porta
Agarrou-me na soleira
Quando eu tentava fugir

A solidão
Fingiu-se de morta
Nas cinzas de quarta-feira
Do carnaval a se despedir

Passou o cometa
A vida-instante
A estrela cadente
A última constelação
E o que foi que eu vi?

Ah solidão, velha companheira
Amiga das linhas tortas
Em que me inscrevi
Foste tão minha como nenh'outra
Minha, minha, mil vezes minha...

Partilhamos, desde sempre
A ausência
O silêncio
O segredo
O salão de festas abarrotado
E o copo vazio
Corpo sozinho
Teu retrato
Tela desfeita.

Ah solidão
Se soubesses que nada importa
Que tudo é besteira
Que se vê por aí!

Ah solidão
Diz-me, zombando, tanto mais que corta
A sua triste maneira
De me sorrir.

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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Destino

Prefiro a folha em branco, a carregar consigo a tez imaculada, a pureza da junção de todas as cores. Será, em tempo, deflorada por rabiscos incongruentes, desprovidos de técnica ou preparo, repetitivos e incessantes lamentos que somente ela, com sua alva paciência, não se cansa de escutar. Acolherá, em silêncio, os defeitos da gramática parca provinda dos profusos ditames do inconsciente inconsistente. Aparará, inexoravelmente, os excessos das linhas tortas que parecem querer transpor a ideia, teimando em não caber no seu tracejar invisível. E, finda a tortura, contemplar-se-á suja, gasta, usada, para, invariavelmente, ser amassada e atirada no lixo. Não importa.  É possível que a retirem do cesto e a abram novamente. Já não será pura, imaculada. Terá sido devassada, corrompida. Não importa. Dela, nascerá flor, esperança. Dela, far-se-á inspiração.
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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Considerações

Querem que eu diga o que se passa?
Não há razão para alarde:
Eu convalesço há anos
Na cama da indecisão.

Por certo não esperam que eu seja completamente avesso
Às convenções e modismos sociais:
É impossível caminhar sobre brasas
Sem ao menos sentir os pés chamuscarem.

Os outros,os da moda,
Penso que me veem com desprezo
E até faço gosto.
Caridade interessada tem braços curtos,
Mãos atarracadas nos bolsos falsos
Dos casacos de risca dos conspícuos homens envernizados.

Qual a minha opinião?
Só sei que ignoro a maior parte
Daquilo que presumo conhecer
E nímias são as dúvidas que me acometem
Frente à clareza do destino a se desencilhar por meus nós.
Senão,de que outra forma cometeria eu os mesmos erros?

Perdi as contas de quantas vezes mudei,
De quantas vezes fui o que era conveniente,
De quantas vezes fui frase-feita,
A resposta [in]sensata aprendida nos bancos de praça,
Nas autoajudas do portão da frente,
Nos balcões de botica de cidade pequena:
Mera força de expressão,
Cínica abnegação.

Querem realmente que eu diga o que se passa?
Tudo não passa de uma reles mentira,
Do início ao fim.
Eu adormeço há anos
Na cama da ilusão.

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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Letargia

Dias em que não se está para sol.
Quer-se somente a rede e o tiritar da chuva no telhado.
As frases intelígiveis
São aquelas ditas quando do cerrar de pálpebras
Em que, semi-consciente, recitam-se versos melancólicos
De um poeta morto no século escuro.

Nada lhe pertence.
O ar por sobre o corpo
Envolve-o na lenta dança de lascivos pensamentos.
Nada lhe socorre.
Nada pergunta.
Deixa-se:
Necessita de espaço.
Novamente, distinguem-se as cores,
Alvas e altas.

Entrementes,um voo de pássaro
Rasante, rascante, cortando a brisa
Sibilando por entre árvores de insólitos galhos
A pender maçãs rubras tal faces juvenis,
Fazendo de um bater de asas, ordinário que só,
Ópera.

É, portanto, a paz almejada.

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Chá das Cinco

Clareou-se-me num trovão
E, à seca que se me invade pela garganta,
Deixando terra e descontentamentos,
Respiram úmidos lábios
Da moça ainda virgem de mim.

De que me servem estes [des]alentos
Aviltados por ignaras rédeas tomadas
D'outras mãos, que não as minhas?
Dantes mo disseram à maneira:
Pobre diabo vestido em firmamento,
Metido à besta.

Então, hão de desmentirem-me?
Hão de serem-me devotos?
Sabe-se lá o que confabulam
Os que pensam,
Pois deles invejo a hipócrita rotina de bem,
Eu hipócrita no agir.

Oxalá venham ter em minha casa
Um chá de vindas.
Ser-lhes-ei anfitrião
De chapéu e botas [sujas]
No quinto badalar da tarde,
À moda inglesa.

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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

1,2,3 salve o mundo!

1,2,3 salve o mundo!
Éramos crianças.
Havia a ideia vaga
De que um toque no pique
Salvaria o mundo.
Não de forma literal,
Óbvio.
Mas de forma mais pura,
Creio que impossível.
Encondíamo-nos,
Corríamos,
Formávamos alianças secretas
Inquebrantáveis,mesmo sob promessas
De recompensa por colaboração:
-Eu não sou dedo-duro!
Os corações tamborilavam em uníssono,
Aflitos de serem auscultados
Se por outra sorte batessem.
Caía-se a noite pelas varandas
Das casas preguiçosas,
E os velhos observavam aqueles
Que um dia foram.
Foram junto com o tempo.
Vieram as rugas,as amarguras
E os arrependimentos,
Ainda que insistam em dizer que fariam tudo igual,
Com as mesmas vírgulas e reticências
Outrora condenadas.
Voltávamos para a casa
E,a nossa espera,
O banho preparado,
O café-com-leite,
O bolo que a mãe pajeava
Na tarde quente do ano bom,
Pois todos os anos eram bons,
E as tardes,que se não chovem,
Eram azuis e boas.
À cama,erguiam-se muralhas
Derrubadas a um sopro,
Herois de espada e força
Venciam dragões de ferro e fogo.
Éramos João Sem Medo*
A vestir-se de fantasma
Para assombrar vilões.
Éramos Bobuque*
A colocar dias em nomes
E encher de alegria os castelos abandonados.
Natural era dizer a verdade,
Falar o que vinha à cabeça,
Aprender,às escondidas,
Palavrões que o irmão mais velho ensinava,
Pular o muro do vizinho
Atrás da bola que se perdeu.
Salvar o mundo?
Bastava uma simples contagem.
Éramos qual um pequeno deus de vontade
A brandir seu cajado,
Fazendo com que a Terra toda estremecesse
Ao seu sinal:
1,2,3 salve o mundo!
Éramos o que se queria ser.
Éramos crianças.


(* Referência aos livros infantis "As Aventuras de João Sem Medo", de José Gomes de Ferreira, e "As Batalhas do Castelo", de Domingos Pellegrini, respectivamente.)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Diário

Demasiado cedo
O corpo reluta
O frio fustiga
O sono, renitente
Caminha ao lado
Caminha?
As mãos tremem
O espelho reverbera
A luz fosca
De um rosto inane
De fato
Tudo vai mal
Vai?
(Se fizesse sentido
Se tivesse tempo
Se soubesse da vida...)
Reconhece a sombra
Debaixo dos pés
Conforma-se
Ir assim
Pisando na sombra
Para não tropeçar
Ir?
Faz as pazes
Torna a brigar
Criança eterna que é
Não sabe ouvir
Não!
O dia é fogo-fátuo
Carente de luzir
Correndo desabaladamente
Rua acima
Das tristezas noturnas
Correndo?
Cogita
As ações encabuladas
Tímidas
À meia-voz anunciadas
Pelos alto-falantes
Encabulados
Da estação detrás do morro
(Sempre haverá quem ouça
As preces benditas)

Agitam-se bandeiras

Enquanto segue o cortejo
De pedras e desejos
No coração dos homens.

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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ratos [e livros]

Aluguei um quarto barato
Num bairro obscuro da cidade,
Onde divido meus livros com os ratos.
São ótimos inquilinos.
Contentam-se com qualquer migalha,
Raramente abrem a boca pra reclamar.
Trazem de vez em quando um amigo,
Nada que um pedaço a mais de pão-de-ontem não dê jeito.
Enquanto escrevo,eles roem.
A convivência é pacífica,
Quase não há brigas.

Na estante do cômodo ao qual chamo de sala

(Na verdade,é uma extensão do banheiro),
Avolumam-se livros e desesperanças,
Cada qual inacabado a seu modo:
Os livros,abandono-os logo no início:
A modorra pela vida
Predispõe-se à fome.
As desesperanças,entreguei-as ao ego,
Que as trata de rechaçar veementemente:
Ele ainda acredita.

Abro minhas últimas anotações:

Exilei-me à procura de paz,
Entretanto,neste quarto barato num bairro obscuro da cidade,
Só encontrei ratos.
E livros.
Mas destes e daqueles,principalmente daqueles,
Não posso reclamar:
São ótimos inquilinos.
Fazem-me companhia à beira da janela nos finais de semana.
Conferimos a vida alheia pelas frestas que escapam dos andares inferiores.
Conversamos sobre mulheres,futebol,amenidades:
"Será que chove?",pergunto.
"O tempo anda seco,uma boa chuva não seria de mau grado",respondem.
Revelaram-se sábios.
Como eu,fogem das frases feitas.
Pena refugiarem-se nos lugares-comuns.

Quanto aos livros,mantém-se calados.

Como eu,querem tanto falar...
[Quem os ouviria? Quem me ouviria?]
Pena não serem compreendidos.

Sentado numa velha poltrona

No meu quarto barato
No bairro mais obscuro da cidade,
Eu escrevo.
A chuva esperada resolveu cair,
Irrompendo pelos buracos do teto.
Sobre minha cabeça,
As gotas deslizam.
Uma vontade súbita de chorar.
Com os olhos marejados,
Já não sei se é chuva ou se são lágrimas
A escorrer pelo rosto.
Eu continuo a escrever.
Ao fundo,um ruído:
São os ratos,
A roer.

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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Sonetito

A saudade que em ti se despe,
Guarda mistérios do que nunca vi.
Calhou-me ser o que dela se veste,
Amante tolo de pedra rubi.

No exato instante em que tu distas,
As dores põem-se a gargalhar.
Dos amores são as egoístas,
Todo ouro para si querem guardar.

E, vendo-te bela, ao longe,
Nos verdes campos da memória,
É como sentir que o amor me foge.

Morando, reclusa, no castelo da estória,
És tu dama que o fogo não forje,
És tu e por si, tua glória.
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Para que tantas, Vírgulas?!

Perguntaram-lhe, certa vez, a ele, que fique claro, não a outro, não a mim, o porquê de tamanho,digamos,sem ser esta, evidentemente, nossa opinião, "egocentrismo" e ele respondeu, extremamente enervado, com razão, qualquer cidadão o ficaria, não entender esta gigantesca infâmia, certamente ventilada por seus inúmeros, incontáveis, odiáveis inimigos, aqueles que, pejados de inveja, ignoram sua admirável missão, ainda hoje conhecida por poucos, privilegiados, estes, entendedores ou que, pelo menos, estão próximos de compreender sua real importância, de inculcar, profundamente, nas mentes dos usuários, desde os mais simples aos mais doutos, em suma, de todos, dos signos, letras e afins, a beleza da sintaxe, da colocação pronominal, das orações coordenadas e subordinadas, dos verbos no infinitivo, do quão temerários são os vícios, estes que, lembra ele, se usados com destras mãos, podem vir a serem engenhosas construções gramaticais, e destas, as “construções”, abstraindo-se as “gramaticais”, as quais conhecemos as proparoxítonas, sublimes, bem como as figuras de linguagem, as silepses, as elipses, os assíndetos, as metáforas, recordando, também, desta vez prescindindo das “figuras” e reutilizando a “linguagem”, suas funções, que, metalinguisticamente falando, pretende aprimorar através da palavra, tanto dita quanto escrita, cada uma há seu tempo, além de várias e várias outras preciosidades de nossa língua, reconhecidamente pouco valorizada, enfim, não obstante tudo isso, têm a petulância de lhe censurarem, em função, talvez, de seu demasiado rigor ou, mais, pelo seu excesso regras, sendo, por estas, inquirido, insistentemente: "Para que tantas, Vírgulas?!"

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Saudade

Tua voz escrita
Dissona tanto de tua voz falada...
E ressona,
E ressoa,
E revoa,
E revê, em mim,
O recôndito.

Teu beijo de água doce
Adorna meus olhos insones...
E aquece,
E esquece,
E apetece,
Qual prece
De um pagão adido...

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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Julho

Manhã de julho. Frio. Pra esquentar, um gole seco no café amargo. Não faz diferença. "Quando foi que as coisas perderam o gosto?" Rápida passada pelo noticiário matutino. Nada de novo. Alguém se jogou do 12º andar. "Cara covarde..." Já havia pensado em suicídio várias vezes. Não tivera coragem. Estranho. Ser humano é ser contraditório. Arrumou-se depressa, com o descaso de sempre. Talvez o descuido aparente fosse uma forma de demonstrar o abandono interior. Trânsito. Os planos de deixar a cidade afundaram-se na rotina. Hoje, terminar o dia era o principal objetivo. Tédio. Era funcionário público convicto, desses que levam a sério a pasmaceira do trabalho burocrático interminável, dos papéis empilhados sobre a mesa, do copo de café quente e amargo pra espantar o sono. "Como eu fui deixar as coisas chegarem a tal ponto?" A comida requentada do restaurante desce sem sabor pela garganta. "Preciso ligar para as crianças..." A obrigação de fazer-se presente precede qualquer saudade. O casamento terminara há pouco, mas a separação tinha se dado muito antes. As crianças as quais lembrara já eram adolescentes: uma moça e um rapaz. Para ele, que não os tinha visto crescer, continuavam sendo dois pequenos estranhos. Cansaço. O expediente chegava ao fim sem que tivesse conseguido resolver nenhum problema. O adiamento era seu expediente. No apartamento sem vizinhos, criação dos tempos modernos, ele comia um lanche de "não sei o que", assistindo ao noticiário noturno. O "alguém" que se atirou do 12º andar no dia anterior tinha sido identificado: um músico desiludido com a carreira. "Meu sonho era ser músico..." Coisa de quando moleque. Seria esse um bom motivo para se jogar do 12º andar? Não, não tinha coragem. Ademais, seu prédio só tinha cinco. O jeito é dormir. É julho. Faz frio. Pra esquentar a noite, um sonho doce com os tempos de moleque por debaixo dos cobertores.  

sábado, 10 de julho de 2010

Exaltação a Baudelaire

Embriagar-me-ei de poesia
Que,de virtude,quase não as tenho
A taça quedou-se vazia
Primavera sem flor de meu Setembro

Embriagar-me-ei de poesia
E de mil versos embevecidos
Esvair-se-ão meus dias
Folhas de um Outono caído

Embriagar-me-ei de poesia
O tinto que me destes
Acalentou-me à noite fria
Levou-me as monções do leste

Embriagar-me-ei de poesia
O grito é o que me basta
Serão minhas palavras vadias
A vagar por ruas castas

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Banquete

Deem-me uma dose de amor sóbrio, pois dessa vida, espero o ocaso, a fome, a sede e o ópio. Tenho me alimentado quase que exclusivamente no prato raso da sinceridade, inútil depositório neste mar de hipocrisia em que se habita. Devidamente municiado dos talheres da resignação, avanço [hesito] contra o inimigo, invisível a olhos alheios. Haverá luta? Minhas armas são exíguas ante a qualquer exército. Então para que lutar? No copo frágil da tolerância, tão afeito aos fortes, transborda o líquido insosso da incompreensão, guiado pela busca desnorteada, pelo prumo perdido em algum lugar da sala de estar. Sirvam-se do meu jantar. À mesa posta, o velho candelabro oscila por uma chama única, feixe rútilo que ansiosamente aguarda o porvir. Deem-me uma dose de amor sóbrio. No banquete da vida, o que urge é esperar pelo acaso, saciar a sede, a fome e entregar-se ao ócio.

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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Mundo dos Negócios


Desconfio. Eles se escondem de mim, cochicham, parecem conspirar. Perguntas capciosas, eu não sou tão tolo quanto julgam, sinto a ironia, vejo o veneno sendo destilado por suas línguas. Os olhares perscrutadores pelas esquinas, a repentina mudança de assunto nas conversas de bar... Quando me cumprimentam, não perdem a oportunidade de fazerem um comentário impertinente, uma brincadeira de mau gosto. Pouco tempo atrás, sorriam. Sorriso falso, estou certo! São todos falsos...
Em casa, o telefone toca duas, três, quatro vezes. Não atendo. Mensagens entopem minha caixa de e-mails. Não respondo. Antes ser chamado de louco a dar o braço a torcer. Pela rua, sigo atento: a qualquer movimento estranho, levo a mão ao bolso do paletó. Passei a andar armado. Devo prevenir-me, nunca se sabe do que são capazes.
Dizem que estou obcecado. Têm é medo de que eu descubra o que tanto tramam. Têm medo de que, munido de pedras e paus, eu os ataque publicamente, os humilhe, os faça pedir perdão por todo mal que me fizeram. Nas entrelinhas. É claro, ainda não tenho provas, necessito de algo concreto. Mas não me restam dúvidas: eles me perseguem. Pensam que me enganam, aqueles canalhas. Um dia ainda descubro o que tramam, ah se descubro!

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Encantamento

Chamem-me de tudo,
menos de cego:
Não é por não ver que te amo.
Amo-te por fazer-me enxergar,
circundada por tantas galáxias:
Vênus:
Revestida de fogo e leveza
imarcescível facho dissonante depreendido de ti
paisagem de um município distante
no centro da Terra.

Não é com os olhos que te diviso
é com o sentido do universo
com as narinas impregnadas de sua visão ardente, insinuante
o caminho de meus dedos a tocar a área limítrofe
entre seu corpo e minha alma
região fronteiriça
emaranhando penhascos e abismos
junto a desejos suicidas.

Mas somos nós incólumes corações à vertiginosa queda
incautas razões por onde se perdem as causas
e se descobrem as inúmeras pagas
vaticinadas ao primeiro toque
ignoradas ao primeiro beijo
e reveladas ao inesperado desfecho:
Encantamento.

Sabemos, então, do que somos feitos:
Desejo.
Apercebemo-nos, então, do que nos foi tácito:
Deslumbramento.
E assistimos, incrédulos, ao nosso eterno martírio
de sermos incólumes corações
comandados por incautas razões.

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sábado, 26 de junho de 2010

Fuga


O motorista parou o ônibus:
-Não vai descer, rapaz?
Ele abriu os olhos.
-Onde é que eu vim parar? - Era o destino final da viagem. Tinha alguma outra opção? Claro que não. Desceu.
Dinheiro no bolso, dinheiro contado. "E se me roubarem?" Cabeça pesada, turbilhões na cabeça. "O que eu faço agora?" Pra quem não sabia escolher uma camisa, como escolher o caminho a seguir?
Orelhão na esquina. "Ligo pra avisar que cheguei bem?" Passou, hesitante, pelo orelhão. Que tamanho de cidade! Quanta gente! E que gente estranha...
Garota no ponto da lotação. Troca de olhares. "Caramba, com essa eu casava!" O ônibus dela chegou. Subiu junto. Não fazia ideia pra onde ia. Lotado. "Cadê ela?" Pensou na loucura que fez. Esqueceu-se da garota. Não tem mais volta, não tem mais jeito. Conseguiu um banco. Estava cansado da viagem. Dormiu. Acordou com os gritos do cobrador:
-Desce logo, vagabundo!
-Onde é que eu vim parar?
-É o fim da linha, moleque.
Era o fim da linha. Nó na garganta, aperto no peito. E agora? Ele, que ainda nem sabia dizer qual o seu prato favorito, precisava decidir a sua vida. "Eu não posso mais voltar." Tinha de ser forte, não obstante o medo o consumir por inteiro. "Onde é que eu vou dormir essa noite?" Tinha de ser forte, tinha de crescer. Viera em busca de seu sonho (ou apenas fugira dos olhares enviesados que lhe lançavam?). Era esse sonho que o movia (ou era o receio de passar pela vida?). Havia muito o que fazer, era jovem, tinha talento. Animou-se. Instantes de felicidade e otimismo são raros quando o mundo se mostra tão grande.
O futuro, a partir daquele momento, se abrira em todas as direções e de todas as formas. O destino passara a ser completamente indiferente à sua vontade. Fazer algo por si não era mais opção, era sobreviver. Sobreviver, o que nunca foi uma preocupação, tornou-se fator primordial. Viver tornou-se real. Sonhos são somente distrações. A realidade amedronta. Ter medo é agarrar-se ao chão batido da vida e contentar-se com aquilo contra que não se tem coragem de lutar.


Parte I

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pílula

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Deram-me o mundo
E o que dele podia fazer
Não fiz.
E o meu mundo sem fundo
Escrevi por não saber
Na parede, com giz.

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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Resignação

Do que tenho
Faço pouco
O que sonho
Julgo louco
O que pressinto
Pensamento distinto
Do que embalo
Inútil regalo

Fração inóspita do meu povoado:
- Abandonado!
Fonte insípida de meu pranto vencido:
- Combalido...

Há que ser grande, há que ser grande!

À vitória
Futura e outorgada
Rendo-me, enfastiado
À glória
Obscura e negada
Acedo, lisonjeado

Há que ser grande para ser Gente!
Há que ser grande para ser Gente!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Armistício

Não!
Por favor,hoje,não!
Ao menos um dia em toda vida
Quero ter o direito de dizer "não"
Deixem-me ser egoísta sem remorsos
Ser mesquinho e fútil
Controverso e falso
Ser essência,nem que seja uma vez
Para ser inteiro,uma única vez:

Que meus erros sejam apontados em cada esquina
Que minhas falhas estampem as fachadas
Que minha imagem seja devassada,manchada,obliterada
Que meus defeitos,meus incomensuráveis defeitos
Aticem,instiguem,alinhavem os ódios mal contidos,as desconfianças,as certezas escusas
E depois de todo mise-en-scéne habitual
Atirem-me ao olvido,à indiferença
Ao verdadeiro padecimento
Do solista sem aplausos
Da dama sem os lúbricos olhares
Do pobre sem os piedosos gestos.

Só quero dormir
Dormir um sono profundo de quase morte
(os sonhos,não me falem em sonhos!
a realidade já me é demasiado fantasiosa)
Dormir e acordar apenas no ponto final
Como quem viaja pelo mundo
À procura de casa

Querer a verdade
E, por ser verdade
Não haver consciência que lhe pese
Que nem a sós digo toda a verdade
Se há alguma a ser dita

Mas hoje,apenas hoje
Deixem-me ser o que sou
Sem sorrisos,sem cumprimentos
Somente casca,somente superfície
Oca e estéril essência
Única e possível forma.

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terça-feira, 15 de junho de 2010

Idílio

Queria-te sempre menina
Menina de teus poucos anos
Menina de teus muitos sonhos
Ver-te sempre menina
Ver-te sempre como vejo-te hoje

Imaginar-te menina e pura
Pura sem dizer palavra
Menina com as letras do mundo
Longe de olhos e bocas
Imagem concreta e sutil
Apenas de sentimento

Andar pela alameda de teus braços
Sentir o vento a balouçar-te os cabelos
Ser o hálito doce da hortelã
Que jaz em tua boca
Contar-te histórias pela manhã
Do que outrora pertencera a ti
Sem que ainda o soubesses

E não ser mais do que teu
Não ser mais do que metade
Meio de tudo que te completa
Raiz a prender-te ao solo
Folha de copa a fazer-te perder o medo
A mostrar-te do que és capaz
Mesmo pequena, mesmo menina

Ver-te sempre menina
E não ter que ver-te mulher
Vale inalcançável do norte
Rebentação dos mares do sul
Ser sempre pequena
Para ter-me ao teu lado
Menino de pés rotos
Menino que nada sabe
De tuas pétalas incultas

segunda-feira, 14 de junho de 2010

[Aos] Vinte

Vinte.

Ideias revoltosas
Ideologia sem base
Anarquismo conservador
Socialismo,sim! [só na calçada]

Por fora
Beleza discreta
Por dentro
Oco,opaco,amorfo

Revoluções pela metade
Levantes que ficaram a meio caminho
"La Résistance Indestructible!"
-Finada ao primeiro tiro

Aos outros
Alegria ensejada
A si
Tristeza desmedida

Doses diárias de autoajuda
Pagas [e com hora marcada]
Reflexões de última hora
Idiossincrasia de uma ditadura:
Ser todo ignorado
Ou tolo compreendido?

-Dilema.

[Aos] Vinte.

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sábado, 12 de junho de 2010

Bicicletas

Ei garoto,
O que você faz a essa hora na rua?
Isso são horas de um garoto estar na rua?
A essa hora da noite e andando de bicicleta,
Veja se tem cabimento!
Um frio desses e você em mangas de camisa...
Assim,vai pegar um resfriado!

Ê garoto!

Se eu fosse você,
Eu iria dormir.
Se eu fosse você,eu tomaria um banho
E iria dormir.
Se eu fosse você,eu provaria da sopa quente da mãe
E iria dormir.
Pensando bem...
Se eu fosse você,eu seria um chato!

Ah,quer saber?!
Vá andar de bicicleta!
Esqueça-se da cama,do banho,da sopa,
Esqueça-se de dormir,
Porque quem dorme fica velho
E os velhos são chatos,
Como eu.

Como eu?!

É,preciso de uma bicicleta...


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sexta-feira, 11 de junho de 2010

Prelúdio

    Pr'um início
    Penso que seja melhor o compromisso
    Mais até do que a promessa
    Não nos esquecendo,é claro,das premissas
    Deixadas [doravante] como indício

    Já que me atenho ao fado
    De redigir,sem desagravo
    Algumas torpes palavras de agrado
    Ao nosso nunca desdito caso
    Que se findou,'inda que pranteado

    Asseguro-lhes que haverá combate
    Devaneios imersos no tatibitate
    Da objetiva moderna,o disparate
    De ideias escapulindo pela lente retrátil
    Imagem retinta na retina,debalde

    E,assim,por fim,enfim
    Dou mostras daquilo que esperam de mim:
    Nada além do comum
    Pouco mais que algum
    Sinal de ser pensante
    Andarilho,errante
    Nas cordas da Divina Arte.

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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Carta I

Creio que escrever, para ele, era mais um exercício de autoexperimentação, quem sabe, autoafirmação. Sentia-se mais seguro na terceira pessoa, mais "eu" em outrem, menos contundente nas falhas e mais cônscio de suas virtudes. Talvez isso ocorresse pela dificuldade de se descrever a si próprio, pela incapacidade de dizer algo em voz alta, de se fazer ouvir. Nas palavras, um refúgio. Nos poemas, um grito. Fosse pelo que fosse, era-lhe confortável estar entre letras, mesmo que delas não fizesse o devido proveito ou conseguisse expressar o exato sentimento. De certo, só sabia que seu destino era estar entre elas, sua vontade, viver rodeado por elas e seu medo, perdê-las de vista. Para quem se achava perdido, tinha certezas de sobra. Para quem tinha tantas dúvidas, era inimaginável ter alguma certeza. Por ora, estar perdido era ter um caminho, um apoio, uma saída. Por ora, isso era tudo o que ele podia se oferecer.


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