sexta-feira, 16 de julho de 2010

Julho

Manhã de julho. Frio. Pra esquentar, um gole seco no café amargo. Não faz diferença. "Quando foi que as coisas perderam o gosto?" Rápida passada pelo noticiário matutino. Nada de novo. Alguém se jogou do 12º andar. "Cara covarde..." Já havia pensado em suicídio várias vezes. Não tivera coragem. Estranho. Ser humano é ser contraditório. Arrumou-se depressa, com o descaso de sempre. Talvez o descuido aparente fosse uma forma de demonstrar o abandono interior. Trânsito. Os planos de deixar a cidade afundaram-se na rotina. Hoje, terminar o dia era o principal objetivo. Tédio. Era funcionário público convicto, desses que levam a sério a pasmaceira do trabalho burocrático interminável, dos papéis empilhados sobre a mesa, do copo de café quente e amargo pra espantar o sono. "Como eu fui deixar as coisas chegarem a tal ponto?" A comida requentada do restaurante desce sem sabor pela garganta. "Preciso ligar para as crianças..." A obrigação de fazer-se presente precede qualquer saudade. O casamento terminara há pouco, mas a separação tinha se dado muito antes. As crianças as quais lembrara já eram adolescentes: uma moça e um rapaz. Para ele, que não os tinha visto crescer, continuavam sendo dois pequenos estranhos. Cansaço. O expediente chegava ao fim sem que tivesse conseguido resolver nenhum problema. O adiamento era seu expediente. No apartamento sem vizinhos, criação dos tempos modernos, ele comia um lanche de "não sei o que", assistindo ao noticiário noturno. O "alguém" que se atirou do 12º andar no dia anterior tinha sido identificado: um músico desiludido com a carreira. "Meu sonho era ser músico..." Coisa de quando moleque. Seria esse um bom motivo para se jogar do 12º andar? Não, não tinha coragem. Ademais, seu prédio só tinha cinco. O jeito é dormir. É julho. Faz frio. Pra esquentar a noite, um sonho doce com os tempos de moleque por debaixo dos cobertores.  

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