sexta-feira, 23 de julho de 2010

Saudade

Tua voz escrita
Dissona tanto de tua voz falada...
E ressona,
E ressoa,
E revoa,
E revê, em mim,
O recôndito.

Teu beijo de água doce
Adorna meus olhos insones...
E aquece,
E esquece,
E apetece,
Qual prece
De um pagão adido...

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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Julho

Manhã de julho. Frio. Pra esquentar, um gole seco no café amargo. Não faz diferença. "Quando foi que as coisas perderam o gosto?" Rápida passada pelo noticiário matutino. Nada de novo. Alguém se jogou do 12º andar. "Cara covarde..." Já havia pensado em suicídio várias vezes. Não tivera coragem. Estranho. Ser humano é ser contraditório. Arrumou-se depressa, com o descaso de sempre. Talvez o descuido aparente fosse uma forma de demonstrar o abandono interior. Trânsito. Os planos de deixar a cidade afundaram-se na rotina. Hoje, terminar o dia era o principal objetivo. Tédio. Era funcionário público convicto, desses que levam a sério a pasmaceira do trabalho burocrático interminável, dos papéis empilhados sobre a mesa, do copo de café quente e amargo pra espantar o sono. "Como eu fui deixar as coisas chegarem a tal ponto?" A comida requentada do restaurante desce sem sabor pela garganta. "Preciso ligar para as crianças..." A obrigação de fazer-se presente precede qualquer saudade. O casamento terminara há pouco, mas a separação tinha se dado muito antes. As crianças as quais lembrara já eram adolescentes: uma moça e um rapaz. Para ele, que não os tinha visto crescer, continuavam sendo dois pequenos estranhos. Cansaço. O expediente chegava ao fim sem que tivesse conseguido resolver nenhum problema. O adiamento era seu expediente. No apartamento sem vizinhos, criação dos tempos modernos, ele comia um lanche de "não sei o que", assistindo ao noticiário noturno. O "alguém" que se atirou do 12º andar no dia anterior tinha sido identificado: um músico desiludido com a carreira. "Meu sonho era ser músico..." Coisa de quando moleque. Seria esse um bom motivo para se jogar do 12º andar? Não, não tinha coragem. Ademais, seu prédio só tinha cinco. O jeito é dormir. É julho. Faz frio. Pra esquentar a noite, um sonho doce com os tempos de moleque por debaixo dos cobertores.  

sábado, 10 de julho de 2010

Exaltação a Baudelaire

Embriagar-me-ei de poesia
Que,de virtude,quase não as tenho
A taça quedou-se vazia
Primavera sem flor de meu Setembro

Embriagar-me-ei de poesia
E de mil versos embevecidos
Esvair-se-ão meus dias
Folhas de um Outono caído

Embriagar-me-ei de poesia
O tinto que me destes
Acalentou-me à noite fria
Levou-me as monções do leste

Embriagar-me-ei de poesia
O grito é o que me basta
Serão minhas palavras vadias
A vagar por ruas castas

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Banquete

Deem-me uma dose de amor sóbrio, pois dessa vida, espero o ocaso, a fome, a sede e o ópio. Tenho me alimentado quase que exclusivamente no prato raso da sinceridade, inútil depositório neste mar de hipocrisia em que se habita. Devidamente municiado dos talheres da resignação, avanço [hesito] contra o inimigo, invisível a olhos alheios. Haverá luta? Minhas armas são exíguas ante a qualquer exército. Então para que lutar? No copo frágil da tolerância, tão afeito aos fortes, transborda o líquido insosso da incompreensão, guiado pela busca desnorteada, pelo prumo perdido em algum lugar da sala de estar. Sirvam-se do meu jantar. À mesa posta, o velho candelabro oscila por uma chama única, feixe rútilo que ansiosamente aguarda o porvir. Deem-me uma dose de amor sóbrio. No banquete da vida, o que urge é esperar pelo acaso, saciar a sede, a fome e entregar-se ao ócio.

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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Mundo dos Negócios


Desconfio. Eles se escondem de mim, cochicham, parecem conspirar. Perguntas capciosas, eu não sou tão tolo quanto julgam, sinto a ironia, vejo o veneno sendo destilado por suas línguas. Os olhares perscrutadores pelas esquinas, a repentina mudança de assunto nas conversas de bar... Quando me cumprimentam, não perdem a oportunidade de fazerem um comentário impertinente, uma brincadeira de mau gosto. Pouco tempo atrás, sorriam. Sorriso falso, estou certo! São todos falsos...
Em casa, o telefone toca duas, três, quatro vezes. Não atendo. Mensagens entopem minha caixa de e-mails. Não respondo. Antes ser chamado de louco a dar o braço a torcer. Pela rua, sigo atento: a qualquer movimento estranho, levo a mão ao bolso do paletó. Passei a andar armado. Devo prevenir-me, nunca se sabe do que são capazes.
Dizem que estou obcecado. Têm é medo de que eu descubra o que tanto tramam. Têm medo de que, munido de pedras e paus, eu os ataque publicamente, os humilhe, os faça pedir perdão por todo mal que me fizeram. Nas entrelinhas. É claro, ainda não tenho provas, necessito de algo concreto. Mas não me restam dúvidas: eles me perseguem. Pensam que me enganam, aqueles canalhas. Um dia ainda descubro o que tramam, ah se descubro!