sexta-feira, 3 de setembro de 2010

1,2,3 salve o mundo!

1,2,3 salve o mundo!
Éramos crianças.
Havia a ideia vaga
De que um toque no pique
Salvaria o mundo.
Não de forma literal,
Óbvio.
Mas de forma mais pura,
Creio que impossível.
Encondíamo-nos,
Corríamos,
Formávamos alianças secretas
Inquebrantáveis,mesmo sob promessas
De recompensa por colaboração:
-Eu não sou dedo-duro!
Os corações tamborilavam em uníssono,
Aflitos de serem auscultados
Se por outra sorte batessem.
Caía-se a noite pelas varandas
Das casas preguiçosas,
E os velhos observavam aqueles
Que um dia foram.
Foram junto com o tempo.
Vieram as rugas,as amarguras
E os arrependimentos,
Ainda que insistam em dizer que fariam tudo igual,
Com as mesmas vírgulas e reticências
Outrora condenadas.
Voltávamos para a casa
E,a nossa espera,
O banho preparado,
O café-com-leite,
O bolo que a mãe pajeava
Na tarde quente do ano bom,
Pois todos os anos eram bons,
E as tardes,que se não chovem,
Eram azuis e boas.
À cama,erguiam-se muralhas
Derrubadas a um sopro,
Herois de espada e força
Venciam dragões de ferro e fogo.
Éramos João Sem Medo*
A vestir-se de fantasma
Para assombrar vilões.
Éramos Bobuque*
A colocar dias em nomes
E encher de alegria os castelos abandonados.
Natural era dizer a verdade,
Falar o que vinha à cabeça,
Aprender,às escondidas,
Palavrões que o irmão mais velho ensinava,
Pular o muro do vizinho
Atrás da bola que se perdeu.
Salvar o mundo?
Bastava uma simples contagem.
Éramos qual um pequeno deus de vontade
A brandir seu cajado,
Fazendo com que a Terra toda estremecesse
Ao seu sinal:
1,2,3 salve o mundo!
Éramos o que se queria ser.
Éramos crianças.


(* Referência aos livros infantis "As Aventuras de João Sem Medo", de José Gomes de Ferreira, e "As Batalhas do Castelo", de Domingos Pellegrini, respectivamente.)

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