sábado, 26 de junho de 2010

Fuga


O motorista parou o ônibus:
-Não vai descer, rapaz?
Ele abriu os olhos.
-Onde é que eu vim parar? - Era o destino final da viagem. Tinha alguma outra opção? Claro que não. Desceu.
Dinheiro no bolso, dinheiro contado. "E se me roubarem?" Cabeça pesada, turbilhões na cabeça. "O que eu faço agora?" Pra quem não sabia escolher uma camisa, como escolher o caminho a seguir?
Orelhão na esquina. "Ligo pra avisar que cheguei bem?" Passou, hesitante, pelo orelhão. Que tamanho de cidade! Quanta gente! E que gente estranha...
Garota no ponto da lotação. Troca de olhares. "Caramba, com essa eu casava!" O ônibus dela chegou. Subiu junto. Não fazia ideia pra onde ia. Lotado. "Cadê ela?" Pensou na loucura que fez. Esqueceu-se da garota. Não tem mais volta, não tem mais jeito. Conseguiu um banco. Estava cansado da viagem. Dormiu. Acordou com os gritos do cobrador:
-Desce logo, vagabundo!
-Onde é que eu vim parar?
-É o fim da linha, moleque.
Era o fim da linha. Nó na garganta, aperto no peito. E agora? Ele, que ainda nem sabia dizer qual o seu prato favorito, precisava decidir a sua vida. "Eu não posso mais voltar." Tinha de ser forte, não obstante o medo o consumir por inteiro. "Onde é que eu vou dormir essa noite?" Tinha de ser forte, tinha de crescer. Viera em busca de seu sonho (ou apenas fugira dos olhares enviesados que lhe lançavam?). Era esse sonho que o movia (ou era o receio de passar pela vida?). Havia muito o que fazer, era jovem, tinha talento. Animou-se. Instantes de felicidade e otimismo são raros quando o mundo se mostra tão grande.
O futuro, a partir daquele momento, se abrira em todas as direções e de todas as formas. O destino passara a ser completamente indiferente à sua vontade. Fazer algo por si não era mais opção, era sobreviver. Sobreviver, o que nunca foi uma preocupação, tornou-se fator primordial. Viver tornou-se real. Sonhos são somente distrações. A realidade amedronta. Ter medo é agarrar-se ao chão batido da vida e contentar-se com aquilo contra que não se tem coragem de lutar.


Parte I

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