Chamem-me de tudo,
menos de cego:
Não é por não ver que te amo.
Amo-te por fazer-me enxergar,
circundada por tantas galáxias:
Vênus:
Revestida de fogo e leveza
imarcescível facho dissonante depreendido de ti
paisagem de um município distante
no centro da Terra.
Não é com os olhos que te diviso
é com o sentido do universo
com as narinas impregnadas de sua visão ardente, insinuante
o caminho de meus dedos a tocar a área limítrofe
entre seu corpo e minha alma
região fronteiriça
emaranhando penhascos e abismos
junto a desejos suicidas.
Mas somos nós incólumes corações à vertiginosa queda
incautas razões por onde se perdem as causas
e se descobrem as inúmeras pagas
vaticinadas ao primeiro toque
ignoradas ao primeiro beijo
e reveladas ao inesperado desfecho:
Encantamento.
Sabemos, então, do que somos feitos:
Desejo.
Apercebemo-nos, então, do que nos foi tácito:
Deslumbramento.
E assistimos, incrédulos, ao nosso eterno martírio
de sermos incólumes corações
comandados por incautas razões.
-Onde é que eu vim parar? - Era o destino final da viagem. Tinha alguma outra opção? Claro que não. Desceu.
Dinheiro no bolso, dinheiro contado. "E se me roubarem?" Cabeça pesada, turbilhões na cabeça. "O que eu faço agora?" Pra quem não sabia escolher uma camisa, como escolher o caminho a seguir?
Orelhão na esquina. "Ligo pra avisar que cheguei bem?" Passou, hesitante, pelo orelhão. Que tamanho de cidade! Quanta gente! E que gente estranha...
Garota no ponto da lotação. Troca de olhares. "Caramba, com essa eu casava!" O ônibus dela chegou. Subiu junto. Não fazia ideia pra onde ia. Lotado. "Cadê ela?" Pensou na loucura que fez. Esqueceu-se da garota. Não tem mais volta, não tem mais jeito. Conseguiu um banco. Estava cansado da viagem. Dormiu. Acordou com os gritos do cobrador:
-Desce logo, vagabundo!
-Onde é que eu vim parar?
-É o fim da linha, moleque.
Era o fim da linha. Nó na garganta, aperto no peito. E agora? Ele, que ainda nem sabia dizer qual o seu prato favorito, precisava decidir a sua vida. "Eu não posso mais voltar." Tinha de ser forte, não obstante o medo o consumir por inteiro. "Onde é que eu vou dormir essa noite?" Tinha de ser forte, tinha de crescer. Viera em busca de seu sonho (ou apenas fugira dos olhares enviesados que lhe lançavam?). Era esse sonho que o movia (ou era o receio de passar pela vida?). Havia muito o que fazer, era jovem, tinha talento. Animou-se. Instantes de felicidade e otimismo são raros quando o mundo se mostra tão grande.
O futuro, a partir daquele momento, se abrira em todas as direções e de todas as formas. O destino passara a ser completamente indiferente à sua vontade. Fazer algo por si não era mais opção, era sobreviver. Sobreviver, o que nunca foi uma preocupação, tornou-se fator primordial. Viver tornou-se real. Sonhos são somente distrações. A realidade amedronta. Ter medo é agarrar-se ao chão batido da vida e contentar-se com aquilo contra que não se tem coragem de lutar.
Não!
Por favor,hoje,não!
Ao menos um dia em toda vida
Quero ter o direito de dizer "não"
Deixem-me ser egoísta sem remorsos
Ser mesquinho e fútil
Controverso e falso
Ser essência,nem que seja uma vez
Para ser inteiro,uma única vez:
Que meus erros sejam apontados em cada esquina
Que minhas falhas estampem as fachadas
Que minha imagem seja devassada,manchada,obliterada
Que meus defeitos,meus incomensuráveis defeitos
Aticem,instiguem,alinhavem os ódios mal contidos,as desconfianças,as certezas escusas
E depois de todo mise-en-scéne habitual
Atirem-me ao olvido,à indiferença
Ao verdadeiro padecimento
Do solista sem aplausos
Da dama sem os lúbricos olhares
Do pobre sem os piedosos gestos.
Só quero dormir
Dormir um sono profundo de quase morte
(os sonhos,não me falem em sonhos!
a realidade já me é demasiado fantasiosa)
Dormir e acordar apenas no ponto final
Como quem viaja pelo mundo
À procura de casa
Querer a verdade
E, por ser verdade
Não haver consciência que lhe pese
Que nem a sós digo toda a verdade
Se há alguma a ser dita
Mas hoje,apenas hoje
Deixem-me ser o que sou
Sem sorrisos,sem cumprimentos
Somente casca,somente superfície
Oca e estéril essência
Única e possível forma.
Queria-te sempre menina
Menina de teus poucos anos
Menina de teus muitos sonhos
Ver-te sempre menina
Ver-te sempre como vejo-te hoje
Imaginar-te menina e pura
Pura sem dizer palavra
Menina com as letras do mundo
Longe de olhos e bocas
Imagem concreta e sutil
Apenas de sentimento
Andar pela alameda de teus braços
Sentir o vento a balouçar-te os cabelos
Ser o hálito doce da hortelã
Que jaz em tua boca
Contar-te histórias pela manhã
Do que outrora pertencera a ti
Sem que ainda o soubesses
E não ser mais do que teu
Não ser mais do que metade
Meio de tudo que te completa
Raiz a prender-te ao solo
Folha de copa a fazer-te perder o medo
A mostrar-te do que és capaz
Mesmo pequena, mesmo menina
Ver-te sempre menina
E não ter que ver-te mulher
Vale inalcançável do norte
Rebentação dos mares do sul
Ser sempre pequena
Para ter-me ao teu lado
Menino de pés rotos
Menino que nada sabe
De tuas pétalas incultas
Ei garoto,
O que você faz a essa hora na rua?
Isso são horas de um garoto estar na rua?
A essa hora da noite e andando de bicicleta,
Veja se tem cabimento!
Um frio desses e você em mangas de camisa...
Assim,vai pegar um resfriado!
Ê garoto!
Se eu fosse você,
Eu iria dormir.
Se eu fosse você,eu tomaria um banho
E iria dormir.
Se eu fosse você,eu provaria da sopa quente da mãe
E iria dormir.
Pensando bem...
Se eu fosse você,eu seria um chato!
Ah,quer saber?!
Vá andar de bicicleta!
Esqueça-se da cama,do banho,da sopa,
Esqueça-se de dormir,
Porque quem dorme fica velho
E os velhos são chatos,
Como eu.
Pr'um início
Penso que seja melhor o compromisso
Mais até do que a promessa
Não nos esquecendo,é claro,das premissas
Deixadas [doravante] como indício
Já que me atenho ao fado
De redigir,sem desagravo
Algumas torpes palavras de agrado
Ao nosso nunca desdito caso
Que se findou,'inda que pranteado
Asseguro-lhes que haverá combate
Devaneios imersos no tatibitate
Da objetiva moderna,o disparate
De ideias escapulindo pela lente retrátil
Imagem retinta na retina,debalde
E,assim,por fim,enfim
Dou mostras daquilo que esperam de mim:
Nada além do comum
Pouco mais que algum
Sinal de ser pensante
Andarilho,errante
Nas cordas da Divina Arte.
Creio que escrever, para ele, era mais um exercício de autoexperimentação, quem sabe, autoafirmação. Sentia-se mais seguro na terceira pessoa, mais "eu" em outrem, menos contundente nas falhas e mais cônscio de suas virtudes. Talvez isso ocorresse pela dificuldade de se descrever a si próprio, pela incapacidade de dizer algo em voz alta, de se fazer ouvir. Nas palavras, um refúgio. Nos poemas, um grito. Fosse pelo que fosse, era-lhe confortável estar entre letras, mesmo que delas não fizesse o devido proveito ou conseguisse expressar o exato sentimento. De certo, só sabia que seu destino era estar entre elas, sua vontade, viver rodeado por elas e seu medo, perdê-las de vista. Para quem se achava perdido, tinha certezas de sobra. Para quem tinha tantas dúvidas, era inimaginável ter alguma certeza. Por ora, estar perdido era ter um caminho, um apoio, uma saída. Por ora, isso era tudo o que ele podia se oferecer.