Voltou, e era como se nunca a houvesse deixado para trás. Resistia, estoicamente, feito um sonho de tempos idos, do menino perdido nalgum recôndito da memória, a casa caiada da infância, com suas janelas pequeninas, sua varanda esverdeada pela invasão da mata a verter em derredor, seu cheiro de terra boa, sua aura indissociável de paz. Desde que se lançara à ventura, buscava, sabe-se lá se conscientemente ou não, algo parecido com o que vivera e sentira ali, àquela época, e agora, já velho, já avô, já distante do moleque travesso de seu avô, consentia que a vida sua, a única que lhe fora permitida conhecer ao dobrar das páginas amarelas de anúncios, fora talhada na madeira desta casa, no assoalho deste chão.
Ainda jovem, imaginara um mundo vasto a ser desvendado, esmiuçado, explorado pelo fulgor de seus poucos anos: visitara, desta feita, as capitais da moda, da futilidade; contemplara os palácios de pedra e ouro; sentara-se à beira do último rio do globo; amara à sombra do primeiro outeiro da Terra, e quê? E quê? Do que vira e ouvira, sentira e prescindira, dissera e desdissera, resignara-se à impressão de que tudo não passava da repetição dos atos mecânicos do cotidiano, do óbvio. Admitira, com pesar, sua impotência diante da massa disforme que desfaz e corrompe os sonhos, os ideais, os escrúpulos - "Como isso, visto daqui, parece desusado, descabido, sem pé nem cabeça!". Os olhos cansados desejaram, então, a calma, o sossego, o fim - não tão já, mas ao menos o lugar em que se prepararia a cama, a comida, o banho quente para a tão almejada paz. Os olhos cansados, o corpo cansado, a mente esquecida, a boca seca, os ouvidos moucos, os gestos vacilantes, as palavras cada vez mais raras à língua, desejaram, então, a casa, Sua Casa.
...Ainda jovem, imaginara um mundo vasto a ser desvendado, esmiuçado, explorado pelo fulgor de seus poucos anos: visitara, desta feita, as capitais da moda, da futilidade; contemplara os palácios de pedra e ouro; sentara-se à beira do último rio do globo; amara à sombra do primeiro outeiro da Terra, e quê? E quê? Do que vira e ouvira, sentira e prescindira, dissera e desdissera, resignara-se à impressão de que tudo não passava da repetição dos atos mecânicos do cotidiano, do óbvio. Admitira, com pesar, sua impotência diante da massa disforme que desfaz e corrompe os sonhos, os ideais, os escrúpulos - "Como isso, visto daqui, parece desusado, descabido, sem pé nem cabeça!". Os olhos cansados desejaram, então, a calma, o sossego, o fim - não tão já, mas ao menos o lugar em que se prepararia a cama, a comida, o banho quente para a tão almejada paz. Os olhos cansados, o corpo cansado, a mente esquecida, a boca seca, os ouvidos moucos, os gestos vacilantes, as palavras cada vez mais raras à língua, desejaram, então, a casa, Sua Casa.
"Vê, se podes!
É a casa caiada de teus pais.
É, se não percebeste até este instante,
teu lugar,
tua firma,
tua explicação.
Não podes encontrar o que buscas,
não sabes ainda o que buscas:
não entendes o conjuro das estrelas
que formam teu nome.
Aqui, onde fincaste pé,
onde premeditaste o regicídio vaticinado pelas emissoras de TV,
onde escreveste as cartas magnas da insurreição dos oprimidos,
onde tens pregado nas paredes os sistemas econômicos e sociais do futuro,
as inflexões dos verbos irredutíveis,
onde tens sido tanta coisa que não saberia definir-se,
deixaste de ver.
Tu te tornaste o que sempre repudiara
e já não podes enxergar
que a felicidade é feito um sonho da infância
em que se divisa a casa caiada de quando menino,
com seus olhos miúdos,
sua matiz dos campos,
seu olor desprendido do orvalho da noite
e seu hálito incomunicável
que é a própria paz."
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