sexta-feira, 20 de maio de 2011

Brevidade

Contanto que seja breve,
Conte-me algo, uma estória, talvez.
Mas que seja breve!
Enfastiam-me as descrições pormenorizadas dos enganos alheios,
As filosofias que não são minhas,
As crenças desse velho mundo doente que insistem em chamar de moderno
E todo esse embuste literário
Cheio de vírgulas deslocadas
Que querem que eu engula no jantar
[Ao menos houvesse algo para beber...].

Ou melhor, tragamos à mesa uma conversa
Dessas rasas, insubstantes.
Falemos de futebol, de mulheres,
Da política externa e dos rombos nos cofres públicos:
Não chegaremos a lugar algum.
Sabemos das amenidades o suficiente para nos entreter
Enquanto o garçom não chega com a outra garrafa.
Dirão, veja só, que somos homens de pouca profundidade.
Uma ova!
Que se danem os "pseudos" da vida e suas tentativas frustradas
De serem levados em conta.
E depois, se não falarmos do óbvio,
Falaremos de quê?

No fim da noite, ao cabo de tudo,
O que restará será só a noite.
Será a noite a angústia de sempre,
A incerteza dos anos,
A vontade de não sei o quê,
A tristeza de há não sei quando
   E, maior do que tudo,
            Será a noite apenas

                               Um vento
                                         Breve.


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quinta-feira, 19 de maio de 2011

Carta II

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Havia certa melancolia naquela caminhar lento e aparentemente distraído. Media os passos pelos ladrilhos da calçada e, como para desafiar-se num jogo mental, por vezes mudava a rota repentinamente. Para um observador mais atento, era fácil notar que, em cada mudança, havia um método, o que fazia com que parecesse premeditada e, consequentemente, sem nenhuma surpresa. Era nesse constante círculo, chamemos de vicioso, em que vivia. Suas ações, ainda que causassem espanto, eram sempre meticulosas, fáceis de se prever. Um caso a ser estudado. O que será que pensa? O que será que o move? Vez ou outra viu-se encurralado por estas e outras questões de densidade filosófica duvidosa e safou-se com um redondo "Não sei". "Sujeito desagradável", retrucavam pelas costas os que, fazia pouco, se riam das piadas sujas, as que mais lhe agradavam por lhe serem tão familiares, soltas durante a conversa. Na verdade, o que era ou o que o movia claro estava para si há tempos, mas passava longe das palavras ou chavões de escritor de quinta aos quais se costuma recorrer à solta nas mesas de bar. Na verdade, era por saber-se tão clichê, tão lugar-comum, tão novela das nove, tão escritor de quinta que preferia manter-se calado ou munir-se do laconismo, seu novo e preferido gênero literário. O que sabia em si era tristeza e esperança, esta última que não vai deixar-lhe nunca. A tristeza, não se sabe se irá um dia partir.

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