quinta-feira, 19 de maio de 2011

Carta II

...

Havia certa melancolia naquela caminhar lento e aparentemente distraído. Media os passos pelos ladrilhos da calçada e, como para desafiar-se num jogo mental, por vezes mudava a rota repentinamente. Para um observador mais atento, era fácil notar que, em cada mudança, havia um método, o que fazia com que parecesse premeditada e, consequentemente, sem nenhuma surpresa. Era nesse constante círculo, chamemos de vicioso, em que vivia. Suas ações, ainda que causassem espanto, eram sempre meticulosas, fáceis de se prever. Um caso a ser estudado. O que será que pensa? O que será que o move? Vez ou outra viu-se encurralado por estas e outras questões de densidade filosófica duvidosa e safou-se com um redondo "Não sei". "Sujeito desagradável", retrucavam pelas costas os que, fazia pouco, se riam das piadas sujas, as que mais lhe agradavam por lhe serem tão familiares, soltas durante a conversa. Na verdade, o que era ou o que o movia claro estava para si há tempos, mas passava longe das palavras ou chavões de escritor de quinta aos quais se costuma recorrer à solta nas mesas de bar. Na verdade, era por saber-se tão clichê, tão lugar-comum, tão novela das nove, tão escritor de quinta que preferia manter-se calado ou munir-se do laconismo, seu novo e preferido gênero literário. O que sabia em si era tristeza e esperança, esta última que não vai deixar-lhe nunca. A tristeza, não se sabe se irá um dia partir.

...
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário