sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Instante: Este

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E dirão: "És jovem, tens a vida" até quando? É efêmera, geniosa, contumaz, mas a tens. E que fazes? Ris. Um riso convulso, nervoso, abscôndito, com as mãos na boca, temendo não ter razão de ser, não ter para onde se estender. E dirão, também, a algum momento da tua juventude, que não há tempo, que o bonde, por Deus!, só passa uma vez e que as escolhas de hoje serão tua ruína ou teu deleite. E que dirás tu? Nada. Intuirás que o tempo é teu irmão e teu inimigo, teu conselheiro e teu algoz. Mais, que o que há do tempo, todo o passado e todo o futuro, converge sobre um único ponto, irreprimível, irredutível, indômito. 
[Não se pode fixar o instante e, se o pudesse, já não mais seria o Instante. Não belo ("a beleza", já o disseram, "é o nome de qualquer cousa que não existe" ¹), não sublime como cantam, por vezes cruel, insensível, entretanto, uno, indiviso.]
Dirás, por fim, que o que és, o que conheces, o que vês, é tudo o que sentes, o que crês, o que desejas e não existe senão num Instante: Este.

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(¹ Referência ao poema "O Guardador de Rebanhos" - XXVI, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Bazófia

Não me venhas com tua física
Poupe-me de teu discurso exato
Das matemáticas inequívocas
Analíticas
Paralíticas
Da tua visão que atravessa os muros
Importa e instiga o ódio das nações
Insaciáveis
Irresolutas

A tua moral, a mim
De nada serve
Eu que não sei o que queres dizer
Quando falas de amor
Eu que não tenciono saber
O que pensas a respeito do amor

Levantas os braços aos céus
E cinges a Terra de virtudes
Os homens, de opróbrios
Como se não comungasse a carne
A ânsia, o câncer, a doença
A morte.

És cínico e pequeno
Posto que te sabes em mim
Mais do que imaginas;
Cantarolas, no tom que me exaspera,
A melodia da música divina
[E eu não a suporto];
Marchas com as mãos em riste
Beligerantemente frente às brigadas de fogo
Dos costumes contemporâneos

És amado e aclamado,
Benzido e engrandecido
E o que veem de mim
Que vou pelo lado oposto?
Apenas esse abafado clamor
Essa leviana acusação
Esse sopro de vida
Que não se sabe vivo
Esse sopro de nada
Que não se sabe vida.


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