segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Eu Nunca Disse "Eu Te Amo"

"Afinal, o que eu posso fazer
Se não me lembro mais o que era antes
De te conhecer?"

Paulinho Moska

Eu nunca disse "eu te amo".
E você me olhava com aqueles olhos arregalados,
com aquela fome de não sei o quê.
"Eu não vou te seguir", você dizia,
e eu nunca soube o que isso queria dizer.
Talvez você soubesse que o caminho ia dar em nada,
em rua sem saída sem placa de aviso sem mão que nos ampare.
É, acho que era isso: você sempre soube.
E eu?
Eu fui dar com a cara na porta,
na porta da sua casa,
enquanto você me esperava
com o rosto desfeito e com as mãos em brasa
por já pressentir o fim de tudo.
Fingi que não acontecia nada,
que a gente era gente que não se prestava a esse tipo de coisa,
mas o que eu não entendi logo de cara
era que você sabia de tudo.
Antes mesmo do início, chego a suspeitar.
Aí, naquela hora morta, naquele tédio que era quase morte,
naquela tarde que se demorava a morrer pra noite,
eu ouvi você pela última vez:
"Você nunca disse 'eu te amo'".
(Mudo.)
(Mudo.)
(Mudo.)
Num segundo eu pensei que fosse brincadeira,
piada sem graça que a gente ri de nervoso,
pra não dizer besteira.
Então não é que eu perdi a cabeça, que eu gritei contigo,
pedi pra parar de conversa fiada,
que eu não 'tava afim de "me servir aos seus caprichos"?
"Cadê meu senso de ridículo?", logo depois eu pensei.
Já era tarde.
Você, calada, me acenou e, ainda sem dizer palavra,
subiu nosso último lance de escadas.
Eu culpei você, é claro, menina que não sabe o que quer,
que se deixa levar por qualquer notícia de tv,
por qualquer romance barato que se compra no supermercado.
Eu culpei você, agora no escuro, na noite insone,
nos olhos pregados no teto.
Foi então que eu me dei conta
e, na matemática inequívoca das lembranças,
eu fiz as contas de quantas vezes eu te ouvi dizer "eu te amo":
você, menina,
não, menina não,
mulher: mulher que sabe o que quer, que antevê o futuro,
que sempre soube de tudo.
Tarde.
"Eu não vou te seguir", você dizia,
e hoje eu sei por quê.
Tudo isso porque eu nunca disse "eu te amo".
Nem pra você nem pra ninguém.


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